Hoje em dia tenho mais facilidade pra trabalhar sem a farinha de trigo e o glúten, mas nem sempre foi assim! Já passei muito perrengue na cozinha até aprender a combinar farinhas para obter o mesmo resultado hahaha Minha necessidade surgiu depois que desenvolvi uma sensibilidade ao glúten no último ano. Não sei ao certo por quê, mas sei que estudos recentes apontam que é um quadro reversível simplesmente cuidando da saúde intestinal 🙂

O fato é que, testes e mais testes, estudos e mais estudos, me ajudaram a compreender melhor o papel das farinhas e como elas trabalhavam em conjunto e em relação à proporção de líquidos e óleos numa receita. Pra evitar que você desperdice tantas farinhas como eu desperdicei, e obtenha um bom resultado com mais facilidade, achei importante trazer esse conteúdo aqui, e as minhas amigas lindas Amábile Kolenda e Renata Macenachefs maravilhosas e super entendidas do assunto – me ajudaram ♥

Como já expliquei nesse post aqui sobre como substituir ovos em receitas, sempre que precisamos substituir um ingrediente, o ideal é primeiro pensar qual a função desse ingrediente na receita, para assim, conseguirmos escolher o que usar para fazer a substituição correta.

SUBSTITUINDO O TRIGO 

O trigo contém glúten, que é, na verdade, uma mistura de 2 proteínas (gliadina e glutenina) que se encontram naturalmente no endosperma da semente e que são compostos, geralmente, por cerca de 40-70% de amido, 1-5% de lipídios, e 7-15% de proteínas. O papel do glúten pode variar muito de preparo pra preparo, mas ele basicamente vai formar redes elásticas e manter o CO2 dentro da massa, fazendo com que ela se expanda e permaneça fofinha e úmida. Ele vai dar liga, estrutura, umidade, maciez e firmeza à qualquer massa que o contenha – expliquei melhor sobre ele nesse post aqui. Por isso, quando vamos substituir a farinha de trigo por outra, temos que ter cuidado em misturar de 2 a 3 tipos de farinhas diferentes, cada uma com uma função, para que consigamos reproduzir suas características. Algumas são mais comuns e acessíveis, outras são mais nutritivas e outras menos.

Como cada farinha oferece uma função, separamos elas em grupos quando temos que pensar na composição de cada receita, mas algumas farinhas tem mais de uma função, podendo estar em mais de um grupo.

FARINHAS DE BASE / ESTRUTURA – São as farinhas que vão dar a base, a estrutura da receita, que vão ajudar a manter o bolo fofinho, sem embatumar. Geralmente são farinhas ricas em amido, mas que não tem muita liga.

FARINHAS ÚMIDAS – São farinhas geralmente ricas em gordura, ou que tem a capacidade de manter umidade na massa.

FARINHAS DE LIGA – Como o glúten serve como uma “cola” para a farinha, quando trabalhamos sem ele, precisamos de uma farinha para fazer esse papel, essas são as farinhas de liga. Que evitam que a receita fique esfarelando.

FARINHAS PROTEICAS, LOW CARB E RICAS EM NUTRIENTES – São farinhas usadas com a intenção de enriquecer o preparo, trazer sabor, nutrientes e propriedades nutricionais desejadas.

 

FARINHAS, USOS E PROPRIEDADES:

FARINHA DE ARROZ INTEGRAL
Farinha de estrutura/base

A farinha de arroz integral é rica em fibras e tem uma boa quantidade de amido. Para assados é utilizada como farinha de estrutura, porém é melhor de utilizada associada a outras farinhas, pois é uma farinha seca, e absorve bastante água. Se misturada com água e fervida ela engrossa como um mingau e pode ser utilizada para espessar molhos.

FARINHA DE ARROZ BRANCA
Farinha de estrutura/base

Contém menos fibra e mais amido que a integral. Tem sabor neutro e também oferece estrutura, sugando menos água que a integral devido a falta de fibras. Como ela possui mais amido, é interessante sempre ficar atenta pra que seu bolo não fique empapado! Certifique-se de que a quantidade água não seja exagerada pra que a massa dê conta de absorvê-la.

FARINHA DE AMARANTO
Farinha de estrutura/base | Low Carb

Rica em proteína, ferro, cálcio, fibras e contém aminoácidos completos. Deixa a cor dos assados (pães e bolos) mais dourada. Pode trazer uma textura arenosa, por isso o ideal é misturá-la a outras farinhas. É uma farinha de estrutura e considerada uma farinha low carb.

FARINHA DE QUINOA
Farinha de estrutura/base | Low Carb

Altos níveis de cálcio, proteína, carboidratos complexos, ferro e fibras. Tem sabor amargo, por isso deve ser utilizada em menor quantidade nas receitas. Também funciona como farinha de estrutura.

FARINHA DE GRÃO DE BICO
Farinha de estrutura/base | Umidade | Liga | Proteica | Maravigold

É uma farinha que fornece estrutura, umidade e liga. Tem alto teor de proteína, proporciona excelente textura e umidade. Pode deixar gosto residual de grão de bico dependendo da proporção utilizada na receita. Caso não seja essa a intenção, recomenda-se usa-la em até 30% do total do mix de farinhas. No caso de massa de tortas e quiches, por exemplo, o sabor cai super bem e dá pra usar uma porcentagem bem maior. Usada junto à uma farinha de arroz (cereal), por exemplo, é maravigold, porque juntas elas possuem aminoácidos complementares, ou seja, a ingestão dos dois, juntos, “produz uma ação de proteína superior à soma dos dois se ingeridos separadamente” 😀 É bom estar atenta em sempre usá-la em receitas que serão bem cozidas/assadas – que em hipótese alguma a farinha vai ficar “crua” – porque o sabor dessa farinha quando crua é simplesmente terrível hahaha 

FARINHA DE MILHO
Farinha de estrutura/base

Fornece estrutura e sabor a massa. É uma farinha que tende a absorver bastante água e por isso pode deixar a massa pesada dependendo da quantidade de líquido da receita. Tem sabor residual característico do milho.

FARINHA DE TRIGO SARRACENO OU MOURISCO
Farinha de estrutura/base | Umidade

Embora leve esse nome, ele é uma semente e totalmente livre de glúten. Rico em proteína e fibras é uma farinha mais úmida e tem uma boa viscosidade, o que auxilia na liga, porém tem sabor marcante, por isso o mais indicado é misturar com outras farinhas. O sarraceno oferece então estrutura, maciez auxilia na umidade da massa.

FARINHA DE AVEIA
Farinha de estrutura/base | Umidade | Liga | Musa Rainha Maravilhosa

Rica em fibras e amido a farinha de aveia oferece estrutura, liga e maciez. Ela é minha preferida da vida e, por natureza, não tem glúten! Ela é contaminada no processamento porque usam a mesma maquina de processamento do trigo, mas é super possível achar sua versão sem glúten por aí 🙂 Ela contém avenina, uma proteína que é um tanto quanto similar ao glúten, criando tanto estrutura quanto elasticidade. Porém se utilizada sozinha ela pode deixar a massa pesada porque absorve muito líquido.

FARINHA DE PAINÇO
Farinha de estrutura/base

Rico em proteínas e fibras, é também uma farinha de estrutura, similar a farinha de arroz integral. No geral tem sabor sutil, porém é indicada que se misture com outras farinhas. Se cozida com água forma um creme, como um mingauzinho mesmo.

FARINHA DE SORGO
Farinha de estrutura/base

O sorgo é um cereal rico em proteínas. Oferece estrutura e é uma farinha mais seca. Tem sabor mais neutro.

FARINHA DE TEFF
Farinha de estrutura/base | Liga 

Teff é o menor grão do mundo, encontrado na Etiópia, super rico em nutrientes como ferro, zinco, cálcio e magnésio. A farinha dele nos fornece estrutura, liga e leveza. Porém o ideal é mistura-la a outras farinhas devido a sua coloração escura e sabor característico.

FARINHA DE CASTANHAS
Nutrientes | Umidade | Proteica 

Podendo ser farinha de amêndoas, castanha de caju, castanha do pará e até de amendoim (que embora seja uma leguminosa, se comporta como uma castanha devido a sua composição rica em gordura). Como as farinhas de castanhas são ricas em gordura, elas oferecem umidade as massas. NÃO oferecem estrutura, por isso devem sempre ser utilizadas com outras farinhas de estrutura, senão o bolo/pão corre o risco de embatumar 😉

FARINHA DE COCO
Nutrientes | Proteica

Existem dois tipos de farinha de coco no mercado: a clara e a escura. Ambas são ricas em fibras e absorvem muito líquido, a clara ainda mais que a escura. Portando devem ser utilizadas sempre associadas a outras farinhas. Elas tem sabor característico de coco.

FARINHA DE LINHAÇA
Farinha de liga | Umidade | Low Carb

Em sua forma dourada ou marrom, a farinha de linhaça ajuda a proporcionar liga, principalmente para receitas que não levam ovo. Dependendo da receita, pode ser adicionada aos ingredientes secos ou pode ser usada para fazer “ovo de linhaça”, método que usa farinha de linhaça (ou chia) e água para formar um gel que lembra a textura de uma clara de ovo. Tem sabor marcante, principalmente se a farinha estiver oxidada, por isso o ideal é bater as sementes e fazer farinha fresca (podendo ser feita 1 vez por semana e mantida em geladeira).
É uma farinha de liga e traz viscosidade e umidade a massa. Além disso, acrescenta nutrientes à preparação, por sua riqueza em nutrientes e gorduras saudáveis, como o ômega 3.

FARINHA DE CHIA
Farinha de liga | Umidade | Low Carb

Assim como a farinha de linhaça também proporciona liga e umidade a massa por liberar esse “gel” em contato com líquidos. Sua farinha tem sabor amargo e marcante, por isso, como a farinha de linhaça, deve ser usada em menor proporções para não pesar e dar gosto à massa.

PSYLLIUM
Farinha de liga | Umidade

O psyllium não é uma farinha, na verdade são os pistilos que utilizamos e tem aparência de “flocos”. Também é do grupo das farinhas de liga, porém, absorve o dobro de água que a linhaça e chia, então deve ser utilizado em pequenas quantidades. Eu, particularmente, gosto dele porque não deixa muito sabor residual nem pedacinhos, como acaba acontecendo com a farinha de linhaça ou de chia. Para pães e bolos ele ajuda a formar alvéolos e fornece umidade sem alterar o sabor ou ficar visível na preparação.  Deve ser usado em pequena quantidade para não alterar o sabor e a leveza da massa. 

POLVILHO DOCE E TAPIOCA
Farinha de liga | Umidade

O polvilho é da família dos amidos e ajuda a dar leveza, crosta, viscosidade, flexibilidade, gomosidade. Tem sabor neutro. É indicado utilizar em média 30% de amido para dar liga em pães e bolos, dependendo da composição.

POLVILHO AZEDO
Farinha de liga | Umidade

Diferente do polvilho doce, o polvilho azedo ajuda a dar liga mas fornece expansão (por isso biscoito e pão de queijo ficam fofinhos e cheios de ar) e ajuda a formar uma crostinha. Tem sabor forte e característico, lembrando um fermentado/queijo, por isso tão usado em receitas de pão de “queijo” vegano.

FÉCULA DE BATATA, DE MANDIOCA E ARARUTA
Farinha de liga | Umidade

Ajudam a dar leveza, maciez e flexibilidade  equilibrando as farinhas de estrutura e ajudando também a unir todos os ingredientes. Tem sabor neutro e são pouco nutritivas – são farinhas refinadas, assim como os polvilhos. 

AMIDO DE MILHO
Farinha de liga | Umidade

É a farinha feita do processamento fino do milho. É espessante, mas também age como aglomerante, dando volume e leveza a massa, principalmente para bolos. Ele gera mais “corpo” que as féculas, principalmente para realização de cremes, mas deve ser usado, preferencialmente, na versão orgânica. Vale lembrar também que a produção de milho no Brasil é transgênica! 😉

COMO SUBSTITUIR UMA PELA OUTRA:

É sempre importante lembrar da função de cada farinha, por exemplo:

Se eu preciso substituir a farinha de arroz que está sendo a base/estrutura de uma receita, eu certamente vou substituir por outra farinha de base – poderia ser de aveia, de grão de bico, etc.

Como, apesar de a função ser a mesma, o comportamento da farinha na receita pode mudar, é sempre legal adicionar os líquidos (água, leite, óleo) com cuidado, aos poucos, certificando-se de que a textura da massa ainda crua é a ideal e que sua receita não vai virar um mingauzão hahaha

No caso de bolos e pães esse cuidado tem que ser maior, mas se você estiver fazendo uma quiche, torta ou cookie, é mais fácil de as substituições funcionarem bem sem tanto apego à proporção de líquidos. Isso não significa que virou festa, tá? hahaha Fique atenta de todo modo 😉

Eu tenho usado uma proporção pra substituir o montante total de farinha de trigo de um receita aqui em casa e tem funcionado bem pra mim: 33% de farinha de estrutura/base + 33% de outra farinha à escolha + 33% de farinha de liga! – ou seja, se for 1 xícara de farinha de trigo, uso 1/3 de cada das citadas. Isso vai variar muuuito da receita que você está tentando fazer. Se for um bolo de cenoura, por exemplo, eu jamais vou usar 1/3 de farinha de amêndoas ali naquela “à escolha” porque sei que a cenoura já é bastante úmida, então precisamos de uma farinha que absorva umidade – minha escolha certamente seria de grão de bico ou outra farinha de cereal.

Cozinha é química! Pense bem e teste até conseguir um resultado que você goste 🙂

ADICIONAIS:

UMIDIFICANTES, EMULSIFICANTES E ESPESSANTES

GOMA XANTANA
A goma xantana é um polissacarídeo obtido através da fermentação de uma bactéria através do milho. Ela tem poder aglutinante e espessante, retém umidade e cria uma goma forte, auxiliando na liga e elasticidade da massa. Porém ela deve ser usada em uma quantidade muito pequena (1 colher de cafezinho – cerca de 1 grama para 500 gr de farinhas), para que não deixe a massa pegajosa.

CMC
É abreviatura de carboximetilcelulose um polímero hidrossolúvel derivado de celulose para uso alimentar.
Assim como a goma xantana, tem como propriedade principal uma grande capacidade de absorção de água.
O produto funciona primordialmente como espessante neutro, porém é também emulsificante, agente de suspensão homogenizante e aglutinante.

AGAR AGAR
Diferente das gomas, o agar agar é uma gelatina de origem vegetal. Não é utilizado em massas, mas sim em coberturas ou recheios onde queremos firmar a textura da receita. Ele deve ter coloração clara e não deve apresentar nenhum odor. Deve ser fervido em algum líquido antes de entrar na preparação. Seu poder gelatinizante é muito mais forte do que a gelatina comum e também ele gelatiniza muito mais rápido.

GOMA GUAR
Assim como a Goma xantana, tem a função de dar viscosidade e gomosidade a massa. Auxilia a deixá-la mais “unida”. Os assados funcionam melhor com a goma xantana, e a goma guar é ótima no espessamento de cremes que não são aquecidos.

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