Como vocês já sabem, me tornei vegetariana quando fui morar na Itália, tudo meio “sem querer”, nunca achei que conseguiria manter esse novo hábito, mas depois de descobrir o impacto ambiental da produção de carne, decidi que não podia ser cúmplice disso! Foi então que meu mundo de conhecimento começou a se abrir e eu aprendi tantas coisas que acabei mudando todo meu estilo de vida, e não apenas a alimentação.
Sabendo do impacto da ingestão de carne na saúde e sua relação íntima com o desenvolvimento de doenças, eu não podia contar com outra pessoa para falar sobre esse assunto tão importante, né? O Dr Eric Slywitch explicou tudo bem explicadinho pra gente, olhem só:
Cerca de 30-40% dos cânceres se correlacionam
com hábitos alimentares (Davis and Milner, 2007).
A adoção de hábitos saudáveis é uma estratégia eficiente
para a prevenção e tratamento do câncer.
ALIMENTO OU SUPLEMENTO?
Os suplementos não fazem o mesmo efeito dos alimentos no contexto da prevenção contra o câncer e na preservação da saúde. Não que suplementos não tenham suas indicações pontuais e específicas, mas a alimentação tem mais peso positivo para a saúde. Como exemplo, sabemos que o consumo humano de flavonóides, compostos importantes na prevenção contra o câncer, ultrapassa 5.000 tipos diferentes quando usamos os alimentos naturais e integrais. Não temos nem 1% deles disponíveis para colocar em cápsulas.
O uso de cenoura cozida, por exemplo, protege muito mais o DNA contra lesões (que podem fomentar o desenvolvimento de uma célula tumoral) do que consumir quantidade equivalente de alfa e betacaroteno. Há uma interação entre nutrientes e fitoquímicos nos vegetais que tornam seu efeito potencializado. Assim, no contexto do câncer, o alimento é muito mais importante que o suplemento. E os alimentos de origem vegetal contém 64,27 mais vezes antioxidantes que os de origem animal, o que promove muito mais proteção ao organismo ao se adotar uma alimentação baseada em plantas, quando ela é integral (Carlsen, 2010).
HORMÔNIOS E INTERAÇÕES ALIMENTARES
Há outros fatores interessantes e, tão importantes quanto os que já descrevi. no contexto da prevenção e tratamento do câncer.
Sabermos que o aumento dos níveis de insulina influenciam o crescimento tumoral. Em outras palavras, quanto mais insulina há circulando no organismo, maior é o estímulo para a proliferação de células tumorais. Praticamente todos os estudos com dietas vegetarianas estritas com redução de gordura e uso de alimentos naturais e integrais se mostram altamente eficientes em reduzir os níveis de insulina, mesmo quando se compara essa dieta com dietas ditas saudáveis preconizadas pala Associação de Diabetes Norte Americana (Barnard, 2006; Cohen, 2006; Joshua, 2006).
A forma ativa do hormônio de crescimento se chama IGF-1. Sua elevação inibe a morte celular programada (chamamos isso de apoptose). Assim, uma célula danificada tem que ser eliminada ou se suicidar (apoptose) para que não seja reproduzida e gere um tumor. Ter níveis mais altos de IGF-1 é negativo para a prevenção e tratamento do câncer, e se correlaciona com maior risco de câncer de mama antes da menopausa, câncer de intestino grosso (cólon e reto) e de próstata. O aumento de calorias aumenta os níveis de IGF-1, assim como o consumo de leite. Indivíduos vegetarianos estritos têm níveis de IGF-1 13% menores do que os onívoros e ovolactovegetarianos (Allen, 2002; Giovannucci, 2001; Yu an Rohan, 2000; Pollak, 2001).
ESTUDOS SOBRE CÂNCER EM POPULAÇÕES VEGETARIANAS
Há vários estudos sobre a prevalência de câncer em populações vegetarianas. Vamos ver o resultados de 3 desses trabalhos.
Um desses estudos, interessante pelo fato de ter sido feito com adventistas – que têm baixo consumo de álcool e cigarro, assim como níveis de atividade física similares – mostrou que, avaliando 34.198 indivíduos com mais de 25 anos por 6 anos, a população onívora apresentava incidência 88% maior de câncer de cólon (intestino grosso) e 54% maior de câncer de próstata (Fraser 1999).
Em 2012, um estudo de revisão sistemática e metanálise mostrou que vegetarianos, quando comparados com não vegetarianos, apresentaram redução de 18% de todos os tipos de câncer (Huang 2012). Um estudo publicado em 2013, avaliando 69.120 indivíduos onívoros e vegetarianos encontrou 2.939 casos de câncer. A correlação de achados mostrou que a dieta ovolactovegetariana proporcionou proteção contra câncer gastrointestinal. Já a dieta vegetariana estrita, mostrou redução de todos os tipos de câncer (Tantamango-Bartley,2013). Assim, os estudos apontam fortemente para a adoção de uma dieta vegetariana na prevenção do câncer, e ela pode ser utilizada, tranquilamente, no seu tratamento.
O PARECER DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE (OMS)
Em 26 de outubro de 2015 a Agência Internacional para Pesquisa do Câncer (IARC), um agência pertencente à OMS liberou seu parecer sobre o efeito carcinogênico do consumo de carne vermelha e carnes processadas. O material foi desenvolvido por 22 especialista de 10 países (OMS, 2015). Esse parecer fomentou a questão ligada à dieta vegetariana no contexto do câncer, pois liga diretamente o câncer de intestino grosso com o consumo de carnes, especialmente as processadas.
Como surgiu o parecer da OMS?
Em 2014 um comitê internacional resolveu que, dentre diversos alimentos, as carnes vermelhas e carnes processadas eram de elevada prioridade em sua avaliação de risco ao consumo humano, pois diversos estudos epidemiológicos mostravam que pequenos aumentos na quantidade de carne consumida aumentava o risco de ter vários tipos de câncer e que, quanto maior o consumo, maior o risco. Baseado nessa avaliação inicial, o grupo começou a fazer os levantamentos científicos. Esse grupo considerou mais de 800 estudos diferentes que investigaram mais de 12 tipos de câncer (em seres humanos) relacionados ao consumo de carne vermelha e carne processada em vários países com populações diversas. Alguns desses estudos apresentavam dados sobre o consumo de carne processada e vermelha ao mesmo tempo. Um total de mais de 700 estudos epidemiológicos forneceram dados sobre o consumo de carne vermelha e mais de 400 estudos epidemiológicos estudos sobre carne processada.
Assim, vemos a importância desse material emitido pela OMS, pois ele não representa um estudo isolado, mas sim a reunião de mais de 800 estudos de grande evidência científica. No documento produzido há a recomendação explícita, em termos de saúde pública, para que seja limitada a quantidade de carne ingerida. Ainda é estimulado aos Governos e Agências Regulatórias Internacionais que estabeleçam recomendações sobre o balanço entre riscos e benefícios no consumo de carne vermelha e carne processada.
Os resultados da análise
A as carnes processadas foram classificadas como pertencentes ao Grupo 1A (substância carcinogênicas para humanos – essa categoria é usada quando há evidências suficientes do efeito carcinogênico da substância em humanos. Em outras palavras, há evidências convincentes de que o agente (carne processada) causa câncer em seres humanos que a consomem. São consideradas carnes processadas: todas as carnes que tenham sido submetidas à secagem, salgagem, fermentação, defumação ou outros processos para realçar o sabor e melhorar sua conservação. A maioria das carnes processadas contêm carne de porco ou de vaca, mas as carnes processadas também incluem as feitas com carne de aves, vísceras e outros produtos, como sangue. Exemplificando esse grupo temos as salsichas utilizadas em cachorros-quentes, presunto, carne enlatada, carne seca ou charque, assim como carne enlatada e preparações com caldo de carnes. Veja como esse grupo é vasto, pois ele inclui carnes utilizadas pelas pessoas diariamente, inclusive na forma de caldo de carne.
O documento da OMS mostra que para cada 50 g de carne processada consumida diariamente, o risco de câncer de cólon e reto aumenta em 18%.
Na avaliação da OMS as carnes vermelhas foram classificadas como parte do Grupo 2A (provavelmente carcinogênico para seres humanos – essa classificação é baseada em limitadas evidências de estudos epidemiológicos que mostram associação positiva entre o consumo e o desenvolvimento da doença e, nesse caso, há forte relação de evidência). Essa associação com o câncer foi observada principalmente para o câncer de intestino grosso, mas também para os de pâncreas e próstata. Mas veja, se a carne vermelha for processada, ela vira grupo 1, ou seja, é reconhecidamente carcinogênica. São consideradas carnes vermelhas: todos os tipos de músculos de carne de mamíferos, como vaca, porco, vitela, cordeiro, carneiro, cavalo e cabra. Ao que tudo indica, é possível que seja apenas questão de tempo para que esses produtos passem do grupo 2A para o grupo 1 (reconhecidamente carcinogênico para humanos). O interessante desse relatório da OMS é que fica evidente que, com relação ao risco de câncer, não importa a origem da carne (se ela veio de um animal criado solto, saudável e sem receber antibióticos ou hormônios), pois o ato de aquecer o tecido animal de algumas formas a torna nociva.
ALGUMAS DÚVIDAS FREQUENTES
O aquecimento da carne aumenta as chances de ter um câncer?
Sim, a temperatura mais alta gera compostos que contribuem para aumentar o risco carcinogênico, apesar de nem todos os compostos terem seus efeitos completamente conhecidos.
Há explicações que nos façam entender porque o aquecimento das carnes aumenta o risco de câncer?
Sim. Cozinhar em altas temperaturas ou com a carne em contato direto com a chama ou a superfície quente, como ocorre com o churrasco e o ato de grelhar, produz substâncias químicas carcinogênicas, como as aminas heterocíclicas aromáticas e os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos.
Quais são os componentes da carne que aumentam o risco de câncer?
Há elementos da carne que mostram associação com o câncer, como o próprio ferro heme. Substâncias carcinogênicas produzidas pelo aquecimento são: composto N-Nitroso, hidrocarbonetos aromáticos policíclicos. O cozimento da carne vermelha ou processada também produzem aminas heterocíclicas aromáticas como outros produtos incluindo hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (que também são encontrados na poluição do ar). Há outras substâncias suspeitas, em termos carcinogênicos, mas ainda pouco estudadas.
Usar carne crua é mais seguro?
Até o momento, apesar de alguns estudos sugerirem menor associação da carne crua com risco de câncer, o comitê da OMS refere não ter dados conclusivos sobre isso e levanta o risco de infecções relacionadas à essa forma de consumo.
As carnes processadas foram classificadas como pertencentes ao Grupo 1 (carcinogênica para humanos), que é a mesma categoria que se encontra classificado o tabaco e asbesto. Isso quer dizer que o consumo de carne processada é tão carcinogênica quanto o fumo?
Não, as carnes processadas, apesar de estarem na mesma categoria do tabaco e do asbesto, não tem o potencial cancerígeno em igual proporção de perigo. A classificação que foi colocada mostra que o produto avaliado é reconhecidamente carcinogênico, mas não estabelece que o grau de potência carcinogênico.
Quantos casos de câncer são atribuídos, anualmente, ao consumo de carne processada e carne vermelha?
Segundo relatório da OMS, cerca de 34.000 casos de morte por câncer no mundo são atribuídos às dietas com alta quantidade de consumo de carne processada. Esse número foi estimado por uma organização acadêmica de pesquisa independente, chamada Global Burden of Disease Project. Essa mesma entidade calcula que o consumo de carne vermelha pode ser responsável por cerca de 50.000 mortes por câncer no mundo. O que ainda não faz a OMS usar esse dado do Global Burden of Disease Project sobre a carne vermelha é sua classificação como 2A (como vimos anteriormente), ainda. Para termos uma ideia numérica, por ano no mundo morrem cerca de 1 milhão de pessoas por câncer devido ao fumo, 600.000 devido ao consumo de bebida alcoólica e mais de 200.000 pela poluição do ar.
O documento da OMS quantifica a risco de câncer pelo tipo de carne consumida?
Sim. O consumo de carne processada sugere que para cada 50 g de consumo diário o risco de câncer de cólon aumenta em cerca de 18%.
Para o câncer devido ao consumo de carne vermelha o risco é mais difícil de ser estabelecido, mas sendo completamente provado, para cada aumento de 100 g de carne consumida diariamente, o risco aumenta em 17%.
Vale à pena lembrar que o consumo de carne (de todos os tipos) no Brasil é de 233 g por dia em média por pessoa, que é 3 a 4 vezes mais o que as diretrizes nutricionais sugerem para a população que come carne. Adotar uma dieta vegetariana é uma estratégia inteligente para a prevenção contra o câncer.
DOUTOR ERIC SLYWITCH
- Médico (formado pela Faculdade de Medicina de Jundiaí) – C.R.M.(SP) – 105.231
- Mestre em Nutrição (pela UNIFESP / EPM) – tema: Avaliação metabólica de indivíduos onívoros e vegetarianos.
- Especialista em Nutrologia (pela ABRAN – Associação Brasileira de Nutrologia)
- Especialista em Nutrição Parenteral e Enteral (pela SBNPE – Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral)
- Pós-graduado em Nutrição Clínica (pelo GANEP – Grupo de Apoio de Nutrição Enteral e Parenteral)
- Docente do curso de especialização (pós-graduação “latu sensu”) do GANEP (Grupo de Nutrição Humana)
- Tem aperfeiçoamento em teoria psicanalítica com foco em conflito e sintoma (SEDES)
- Foi Diretor do Departamento de Medicina e Nutrição da SVB (Sociedade Vegetariana Brasileira) de 2004 a 2015.
- Autor dos livros: “Alimentação sem Carne – guia prático”, “Virei Vegetariano. E agora?” e “Emagreça sem Dúvida”.
Eu sou a Gabi ? Sou arquiteta urbanista e metida a cozinheira! Desde que resolvi entrar no mundo do esporte, mudei minha alimentação e, consequentemente, meu olhar sobre o mundo e sobre o meu corpo. Hoje sou maratonista, me locomovo principalmente de bike, não consumo carne há três anos, intolerante à lactose, e vivo inventando moda na cozinha, onde aprendo muito todo dia